sábado, 10 de março de 2012

À TODAS AS MULHERES





Hoje, 08 de março, dia internacional da mulher, é um dia mais que especial para todas as mulheres. Tal afirmação não parte do fato de termos uma data específica reservada somente a nós, mas, principalmente das lembranças históricas que este dia nos traz e que evidenciam, de fato, a essência do que realmente somos: fortes, lutadoras, corajosas, impulsivas, femininas, sensíveis, delicadas, inteligentes, sábias, guerreiras, mães, esposas, namoradas, irmãs, amigas, mulher!
De modo a contribuir para a reflexão de seus leitores, seguidores e demais pessoas, o Blog "Palavras ao Vento"  disponibiliza o texto  "DOMINAÇÃO/EXPLORAÇÃO DE GÊNERO, PATRIARCALISMO E A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO", que integra  um artigo recém elaborado por mim e que faz parte dos meus registros, enquanto aluna e pesquisadora, na área dos Direitos Humanos

"DOMINAÇÃO/EXPLORAÇÃO DE GÊNERO, PATRIARCALISMO E A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO"

Discutir acerca dos processos de dominação/exploração de gênero, patriarcalismo e divisão sexual do trabalho requer que façamos uma consulta aos registros históricos a fim de verificarmos, de modo coerente, quando e onde teve origem o processo de desigualdade protagonizado até hoje pela mulher, pois ao contrário do que possamos imaginar, ao adotarmos tal postura iremos constatar que esta problemática tem uma origem bastante antiga.
Alguns fatos apontam para o período da Antiga Grécia, onde a mulher permanecia confinada aos gineceus, e neste período específico, a sociedade se valia, sobretudo, dos próprios conceitos filosóficos da época, que tinham a mulher como um ser inferior, incapaz não só racionalmente, mas até mesmo como reprodutora.
Esta mesma ideia também é fortalecida na Idade Média, quando a mulher passa a ser vista como um ser que está no mundo somente para obedecer, seguir às ordens de seu detentor ou quando muito procriar, objetivo maior dos casamentos da época, onde a mulher era “comercializada” por sua própria família, devendo ser totalmente obediente e submissa àquele a quem passasse a pertencer. Isto também é reforçado no período do Renascimento, onde a mulher, em pleno florescimento científico, passa a ser considerada incapaz de desenvolver o conhecimento, o que faz com que a ciência torne inadmissível a aceitação de uma mulher como médica, ou até mesmo reconheça qualquer atitude que possa demonstrar o seu saber, afinal de contas, isto, naquele período, era algo praticamente impossível de acontecer. O saber, o conhecimento, por sua relação direta com o poder somente poderia ser aceito quando vindo do homem. As mulheres que, de algum modo tentaram demonstrar tamanha capacidade foram alvo de um dos mais terríveis genocídios que a história já conheceu - o da caça às bruxas, cujo objetivo maior era, de fato, perseguir e destruir as mulheres que, de algum modo, viessem pôr em risco a imagem suprema destinada ao homem.
De acordo com Easlea (1981), a ciência que se estruturava, na época, fundamentava-se num processo filosófico voltado à exclusão das mulheres, contribuindo diretamente para a consolidação da sociedade patriarcal, bem como dos interesses masculinos voltados a ela em sua aplicação e resultados, o que reforça o poder do homem sobre a mulher, fazendo com que filósofos como Bacon e Descartes revelassem em suas ideias o papel de submissão destinado às mulheres, que assim como a própria natureza, deveriam ser domadas pelo ser tido como superior – o homem.
A partir de todo esse contexto histórico podemos entender como se edificou o que Saffiotti (2001) vai denominar de projeto de dominação-exploração, aquele no qual a sociedade autoriza, ou tolera, conforme é destacado pela referida autora, a punição do que tende a desviá-lo, reservando, inclusive, a seu detentor o direito de fazer uso da violência para mantê-lo nos moldes estabelecidos pela sociedade patriarcal. O que significa dizer que está tão arraigado na visão social a existência de um dominador e um dominado, que muitas vezes o que aparentemente pode ser visto como um absurdo, como é o caso da aceitação da violência, é recebido com naturalidade, como parte de um processo que necessita de tal atitude para não ser modificado.
Trazendo essa questão para a hierarquia de gênero, que é, de fato, o que nos interessa neste artigo, iremos nos deparar com o que Bourdieu aponta enquanto conceito de dominação simbólica:
A força da ordem masculina pode ser aferida pelo fato de que ela não precisa de justificação: a visão androcêntrica se impõe como neutra e não tem necessidade de se enunciar, visando sua legitimação. A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica, tendendo a ratificar a dominação masculina na qual se funda: é a divisão social do trabalho, distribuição muito restrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu lugar, seu momento, seus instrumentos... (BOURDIEU, 1998)
Partindo dessa linha de pensamento, iremos concluir o que Saffiotti (2001) destaca quando também toma como referência este mesmo conceito de dominação trazido por Bourdieu, “que a própria dominação constitui, por si só, uma violência”. Segundo a autora
A violência simbólica impregna corpo e alma das categorias sociais dominadas, fornecendo-lhes esquemas cognitivos conformes a esta hierarquia, como já havia, há muito, revelado. (...) Trata-se de fenômeno situado aquém da consciência, o que exclui a possibilidade de se pensar em cumplicidade feminina com homens no que tange ao recurso à violência para a realização do projeto masculino de dominação-exploração das mulheres. Como o poder masculino atravessa todas as relações sociais, transforma-se em algo objetivo, traduzindo-se em estruturas hierarquizadas, em objetos, senso comum. (SAFFIOTTI, 2001)
 A partir desta compreensão é possível “entendermos” por que algumas mulheres se submetem a determinadas situações de humilhação e violência, fortalecendo esta problemática na sociedade em que vivemos, contribuindo, inclusive, para um dos piores desfechos quando se trata da violência contra a mulher – a sua própria morte.
No entanto, justamente por consequências tão drásticas como a que fora anteriormente citada, a sociedade, sobretudo a mulher, precisa se impor a essa lógica machista e desumana de se pensar a estrutura social até então imposta, que vem atravessando séculos e que continua erguida diante de nossos olhos.
É fato que algumas mudanças têm ocorrido no que tange a redução e o fim da violência doméstica. A Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) é um grande exemplo disso. Com o intuito de diminuir e, de fato, acabar com a violência doméstica e familiar contra a mulher, que atualmente ocorre de forma descontrolada em nossa sociedade, a Lei surge como um leque de esperanças e ao mesmo tempo, como resposta a uma luta árdua e constante em prol da igualdade de direitos. Mas, ainda, existe um longo caminho a ser percorrido. Para se “atrever” a ir de encontro a todo este esquema de dominação-exploração imposto pela própria sociedade, onde o homem tem poder absoluto,  a mulher precisa, de imedito, lutar por sua liberdade, o que pressupõe lutar por melhores postos no mercado de trabalho, pois até então, o que temos visto é que quando se trata de cargos para as  mulheres, à elas, estão reservados os piores, diga-se de passagem, aqueles que necessitam diretamente de subordinados. Pois, para a nossa sociedade, ainda persiste a ideia de que as mulheres precisam de subordinação. É necessário  lutar, também, pela igualdade de salários. Chega de exploração! Quantas mulheres em nosso país costumam fazer o mesmo, muitas vezes até melhor que o próprio homem e é submetida a um salário inferior, simplemente pelo fato de ser mulher. Chega de injustiça! É preciso lutar também pela ascensão social. A mulher precisa ocupar os grandes cargos, até mesmo os políticos. O fato de termos uma mulher como presidenta, mesmo depois de anos de dominação masculina no referido cargo, é mais do que uma conquista, é uma resposta à nossa sociedade de que não se trata somente de querer fazer o que o homem já faz, mas de mostrar que esse reposicionamento de gênero é possível e que enquanto mulher temos capacidade para tal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, Pierre. La domination masculine. Saint-Amand-Montrond, Éditions du Seuil, 1998, p.15.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006.
KERGOAT. Danièle. Relações sociais do sexo e divisão sexual do trabalho. In: LOPES. Marta Julia Marques, MEYER. Dagmar Estermann, WALDOW, Vera Regina (Org). Gênero e Saúde. Ed. Artes Médicas,1996.
SAFFIOTTI, Heleieth I. B. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos. Pagu v.16, 2001, p.115-136.

OBS.: A foto apresentada neste post é de Raimunda Maria da Conceição, uma nordestina guerreira e muito corajosa, que abandonou o marido no alto sertão devido os maus tratos vivenciados durante anos, fugindo com oito filhos pequenos para tentar a sorte na capital alagoana. A escolha da imagem foi feita não somente pela representação ideal que a história de vida dessa mulher tem com a data em questão, mas , por todos os aprendizados que ela me propiciou enquanto avó materna e que fazem de mim a mulher que hoje sou. Ao longo dos seus 94 anos, encerrados em fevereiro de 2011, essa mulher incrível pôde me propiciar muitos ensinamentos, e um deles é especial para mim. Segundo ela, a luta pode ser árdua e intensa, mas ela sempre é válida quando o que está em jogo são os nossos sonhos, os nossos ideais. Que ainda conforme o que ela dizia, não deve , NUNCA, ferir os nossos valores pessoais.

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